Estudos Teológicos 2001, v. 41, n. 1, p. 37-56

Luteranos em casa, na igreja e na política: relatório de pesquisa
Oneide Bobsin

Resumo
Não temos acesso à realidade se não pela construção social interessada que fazemos dela. Por isso, jamais conseguimos fotografá-la, congelando-a. Lembrando a imagem do espelho embaçado dos tempos do apóstolo Paulo, podemos dizer que sempre vemos em parte. O/a leitor/a está diante de um resultado de exercício de pesquisa social feito por estudantes do Seminário de Aprofundamento Teológico sobre Antropologia do Protestantismo Brasileiro, da Faculdade de Teologia da EST. O questionário que serviu de técnica para colher os dados pergunta por dados de identificação, forma de ingresso na IECLB, obrigações familiares, aborto, questões teológicas, comunhão e exclusão e, por fim, participação cívica e sócio-política. Os dados são apresentados na mesma estrutura do questionário, seguido de comparações com uma pesquisa realizada pelo ISER entre evangélicos no Rio de Janeiro. Os resultados são surpreendentes.

Resumen
No tenemos acceso a la realidad si no por la construcción social interesada que hacemos de ella. Por esto, jamás conseguimos fotografiarla, congelándola. Recordando la imagen del espejo envasado de los tiempos del Apóstol Pablo, podemos decir que siempre vemos en partes. El lector/a está delante de un resultado de ejercicio de investigación, investigación social realizado por estudiantes del Seminario de Perfeccionamiento Teológico sobre antropología del Protestantismo Brasileño, de la Facultad de Teología de la EST. El cuestionario que sirvió de técnica para recoger los datos pregunta por datos de identificación, forma de ingreso en el IECLB, obligaciones familiares, aborto, cuestiones teológicas, comunión y exclusión, por fin, participación cívica y socio política. Los datos son presentados en la misma estructura del cuestionario, seguido de comparaciones con una investigación realizada por ISER, entre evangélicos de Río de Janeiro. Los resultados son sorprendentes.

Abstract
We do not have access to reality other than through a biased social construction that we ourselves make. That is why we will never be able to photograph it, freezing it in a picture. Remembering the image of the fuzzy mirror from the time of the Apostle Paul, we can say that we always only see in part. The reader has before her/him the result of an exercise in social research carried out by students in an Advanced Theological Seminar on the Anthropology of Brazilian Protestantism, at the Faculdade de Teologia (Theological Seminary) of EST. The questionnaire that was used as the technique for gathering the data asked for information about identity, the way the person entered the IECLB, family obligations, abortion, theological issues, communion and exclusion and finally, civic and sociopolitical activity. The data are presented in the same structure as the questionnaire, followed by comparisons with a research project carried out by ISER among the evangelical in Rio de Janeiro. The results are surprising.


A teologia aceita a secularização e a autonomia da razão secular; a teoria social considera a secularização cada vez mais paradoxal, deixando implícito que o mítico-religioso jamais pode ser desdenhado.
John Milbank

1- Introdução

Nos procedimentos de uma pesquisa social ou observação de campo, o Relatório de Pesquisa sempre é feito após a tabulação ou organização dos dados, antecedendo, assim, a redação final do trabalho. Nesse sentido, ele apresenta os dados que servirão para testar hipóteses do projeto de pesquisa e encaminha-se para o confronto com a teoria.

O presente relatório não está dentro de um projeto de pesquisa. Ele é fruto apenas de um exercício de uma técnica de pesquisa de estudantes da Faculdade de Teologia da IECLB, que participaram do Seminário de Aprofundamento Teológico (SAT), sobre Antropologia do Protestantismo Brasileiro, realizado no segundo semestre do ano dois mil. Como fazia parte do Seminário a Observação Participante em comunidades religiosas no âmbito do protestantismo, na Grande Porto Alegre, a proposta de agregar a aplicação de questionários foi amplamente aceita pelos 38 estudantes.

Com isso, estamos afirmando que os resultados obtidos não têm um caráter científico. A partir deles não é possível faz inferências ou generalizações sobre os mais de 700 mil evangélico-luteranos filiados à Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. Além disso, deve ser expresso que os 200 questionários foram aplicados de forma aleatória. O/a estudante que tivesse contato com um grupo organizado na IECLB poderia aplicar os questionários. Com essa espontaneidade, alcançamos grupos de jovens, presbitérios, pessoas em cultos, outras da proximidades dos estudantes e, em maior número, mulheres que participam dos grupos de mulheres, da OASE - Ordem Auxiliadora de Senhoras Evangélicas. Destaca-se também que as pessoas que responderam aos questionários participam de comunidades/paróquias do interior do Rio Grande do Sul e da Grande Porto Alegre, mais especificamente das imediações de São Leopoldo.

As perguntas do questionário não foram elaboradas pelos/as estudantes ou pelo professor. Conscientemente as extraímos de um Relatório de Pesquisa do Instituto de Estudos da Religião – ISER1. Assim procedemos porque pleiteamos fazer uma comparação entre os dois relatórios, não obstante o grande números de questões de temas nas perguntas de Novo Nascimento2. A pesquisa do ISER, publicada em 1996, alcançou aproximadamente 1400 evangélicos do Rio de Janeiro. Tal universo de pesquisa compreende um número muito grande de igrejas, que vão do protestantismo de missão, passam pelos pentecostais e alcançam os neopentecostais e outros grupos independentes. Na amostra, não estão relacionadas Igrejas Luteranas porque nenhum membro delas fora entrevistado.

Apesar das limitações apontadas acima, fomos motivados a publicar os dados colhidos entre duzentas pessoas filiadas à IECLB. Minhas resistências iniciais à publicação foram vencidas pelas possibilidades que poderão se abrir a partir desse exercício de pesquisa. Outras pessoas ou organismos eclesiásticos do meio evangélico-luterano poderão sentir-se animados a fazer pesquisas científicas de maior fôlego. Afinal, já é voz corrente em alguns espaços, que desconhecemos em grande parte o que pensam os/as evangélicos/as luteranos/as. O conhecimento do pensamento teológico de uma instituição eclesiástica não necessariamente instrumentaliza o clero a conhecer as teologias das comunidades religiosas.

Talvez as resistências a pesquisas não sejam apenas de ordem teológica. Afinal, a Igreja não sairá por aí para saber o que seus membros pensam, a fim de devolver um conteúdo agradável. Há uma mensagem decorrente de um corpo de doutrina que precisa ser divulgado. Em outras palavras, não se questiona a qualidade da semente e o mandato é que seja divulgada e vivida entre os que participam de uma determinada instituição eclesiástica ou movimento religioso. A pesquisa social pergunta, isto sim, pela qualidade do solo onde a semente cairá e as conseqüências práticas de um determinado discurso.

Também deve ser dito que a análise sociológica tende, inevitavelmente, à secularização da mensagem religiosa analisada. E muito mais longe se vai nesse horizonte se se pergunta por questões éticas. A secularização, que nasce do uso de um instrumental iluminista, não capta as dimensões mais profundas de um fenômeno religioso. Por via de regra, o religioso é reduzido aos efeitos sociais, perdendo, assim, a sua autonomia. Sabemos que não podemos definir a religião pelos seus efeitos éticos, mesmo que ela sempre esteja inserida num contexto do qual recebe influência e sobre o qual exerce influência. Com isso, estamos relativizando os resultados dos questionários. De fato, eles não falam da doutrina luterana, mas de seus efeitos. Também não sabemos o quanto as opiniões emitidas são fruto do contexto. De qualquer forma, são opiniões e juízos de valor de pessoas que estão integradas à IECLB e que dela participam efetivamente.

Cientes dessa limitação e de outras acima mencionadas, não obstante afirmamos que os dados que seguem permitem muitas leituras. Talvez muitas pessoas se surpreendam positivamente; outras negativamente. Como nem sempre a voz das igrejas ou do povo é a voz de Deus, podemos ler os dados com serenidade e neles vislumbrar algumas tendências de um público maior, o qual em outro contexto traria outros resultados. Não podemos ignorar, portanto, que o pequeno e o grande mundo se vêem um no outro.

Dados de Identificação

(075) Masculino
(125) Feminino
(115) Casado
(045) Solteiro
(015) Separado
(011) viúvo
(014) NR - não responderam

Participa da Igreja desde

(158) o batismo
(026) o casamento
(011) a adesão/conversão
(002) outra
(003) NR

Como já salientamos acima, o caráter aleatório da aplicação dos questionários desenhou um quadro numérico que talvez não corresponda aos percentuais de homens e mulheres filiados/as à IECLB, que deve reproduzir os dados da população brasileira3. Talvez possa corresponder ao nível de participação da vida comunitária. É desnecessário empregar instrumentos de pesquisa para perceber que a atuação e participação das mulheres é maior do que a dos homens nas igrejas em geral. Também na IECLB percebemos isso.

Comparando os percentuais entre os dois relatórios, nota-se que na pesquisa do ISER a participação de mulheres, nas igrejas evangélicas, é de 69%, o que levou os que analisaram os dados a fazer um seguinte afirmação: "duas Mulheres para cada Homem". No caso da pesquisa do ISER, o relatório pergunta por que a mensagem evangélica é mais atraente para as mulheres do que para os homens. Como a maior parte do público da IECLB não passou por um processo de ruptura - conversão -, as respostas dadas à pergunta pelos comentadores da pesquisa não dizem respeito à nossa realidade de Igreja, na qual a maioria nasceu nela. Também deve ser destacado que a participação qualitativa e quantitativa das mulheres na vida eclesial pode ser estendida a outras práticas religiosas. Cito, como exemplo, a umbanda. Nela, é expressiva a participação das mulheres, especialmente no exercício do sacerdócio. Parece-me que quanto mais popular e menos institucional o fenômeno religioso, mais expressiva é a participação feminina. De acordo com dados do nosso universo de pesquisa, 37,5% são homens e 62,5% mulheres.

Os dados de identificação permitem caracterizar o universo de informantes da seguinte forma: um público majoritariamente feminino, casado e endogâmico, que participa da igreja pelo batismo e tem baixo nível de exclusão quando se trata de questões morais. Dos 13% que ingressaram na IECLB pelo casamento, podemos suspeitar que a maioria é mulher. Embora seja baixíssimo o número de pessoas que ingressou pela adesão/conversão (6,5%), já percebemos um quadro muito diferente de décadas atrás. Se tivéssemos pesquisas recentes na IECLB no que tange à forma de entrada, talvez chegássemos a percentuais aproximados. Pelo universo pesquisado, a IECLB se caracteriza por ser uma igreja de tradição - batismo de crianças - e por absorver, pelo casamento, mais de 10% de seus membros, dos quais a maior parte é mulher. Destes dados decorrem algumas perguntas: a) Que tipo de trabalho pastoral é realizado em função das pessoas que ingressaram pelo casamento? b) Elas mudaram de instituição religiosa ou de confessionalidade? c) Via de regra, a parte que ingressa pelo casamento, majoritariamente pertence a outras etnias, então como se dá, na prática eclesial, a relação entre etnia e religião? d) Ou como se dão os relacionamentos ecumênicos no âmbito da família quando sabemos que o casamento não nivela as confessionalidades dos cônjuges? Assim, poderíamos elencar muitas perguntas.


2 - Obrigação Familiares

1. A educação dos/as filhos/as é, principalmente, tarefa da mãe?

(013) concordo
(110) discordo
(077) concordo em parte

2. A mulher deve cuidar da casa e filhos/as e o marido não tem obrigação nessa tarefa?

(004) concordo
(171) discordo
(023) concordo em parte
(002) NR

3. Ao marido cabe a última palavra na decisão familiar?

(008) concordo
(142) discordo
(048) concordo em parte
(002) NR

4. A mulher deve chegar virgem ao casamento?

(049) concordo
(080) discordo
(069) concordo em parte
(002) NR

5. O homem deve chegar virgem ao casamento?

(049) concordo
(078) discordo
(070) concordo em parte
(003) NR

6. A moral sexual do homem e da mulher deve ser igual?

(158) concordo
(009) discordo
(024) concordo em parte
(009) NR

"Moral" evangélico-luterana

Em relação às respostas do item "Obrigações Familiares" chama-nos a atenção os 79% de pessoas que opinam que a "moral sexual do homem e da mulher deve ser igual". Estamos, pois, diante de uma maioria. A igualdade entre gêneros também se faz presente entre os aspectos perguntados. Aproximadamente 25% concordam que homens e mulheres devem chegar virgens ao casamento, da mesma forma que aproximadamente 35% concordam em parte. Percentual semelhante entre os sexos discorda. Evidente que os dados em foco deviam ser lidos a partir de uma outra pergunta que considerasse o percentual masculino e feminino nas respostas. Como não cruzamos os dados, não sabemos a relação entre os sexos quanto às respostas dadas. Por exemplo, são homens ou mulheres as 49 pessoas que afirmaram que ambos, mulher e homem, devem chegar virgens ao casamento? Contudo, é temeroso afirmar categoricamente que evangélico-luteranos/as têm uma "ideologia de igualdade entre os gêneros." Temos, isto sim, um indicativo.

As dificuldades para tecer comentários a respeito das questões 1, 2 e 3 também decorrem em parte da ausência de um dado que permitisse ver o percentual de homens e mulheres que deram as respostas. Mas podemos aferir algo fazendo algumas correlações em termos percentuais no que tange aos gêneros. Vamos supor que a maioria das mulheres escolheram o "discordo" na pergunta 3, que considera uma relação assimétrica nas relações domésticas. Dando um passo estimativo, diríamos que 20 homens deram a mesma resposta que as mulheres. Sendo assim, aproximadamente 25% dos homens estariam rompendo com relações assimétricas que permitem ao sexo masculino a última palavra, já que 37,5% das pessoas informantes são homens.

Quanto à educação dos/as filhos e filhas, pode-se dizer que 55% das pessoas entrevistadas, o que representa uma certa maioria, discordam da pergunta e aproximadamente 40% concordam em parte. Cerca de 7% concordam com a idéia de que a educação das crianças é tarefa da mãe. Considerando o nosso contexto patriarcal, poderíamos acenar para o crescimento da simetria na esfera doméstica. Ressalva-se, porém, que nem sempre as pessoas falam de sua realidade. Há sempre um desejo em questão.

Uma comparação com o público evangélico pesquisado pelo ISER, no Rio, por volta de 1995, levanta aspectos importantes. Perguntados se a mulher deve chegar virgem ao casamento, há uma concordância de 84% entre protestantes de missão, pentecostais e neopentecostais. O mesmo índice entre evangélico-luteranos alcançou 60%, somando os que concordam e concordam em parte, como faz o referido relatório. A mesma pergunta em relação aos homens traz o resultado de 69% de concordância, ao passo que entre os evangélico-luteranos o índice alcança também 60%. Portanto, quando se trata da virgindade das mulheres do campo do protestantismo de missão, pentecostais e neopentecostais, espera-se que estas se preservem do relacionamento sexual pré-matrimonial mais do que as luteranas. Quanto aos homens, a mesma questão tem uma diferença de 9%. Relembra-se que o público evangélico-luterano compreende aproximadamente 63% de mulheres, ao passo que o público evangélico do Rio 81%. Portanto, estamos ouvindo mais as vozes de mulheres que de homens.

No que diz respeito à educação dos/as filhos/as, também há diferenças entre os evangélico-luteranos e os evangélicos de Novo Nascimento. Entre os primeiros há uma discordância de 55%, ao passo que, no público que nos serve de contraponto, o índice é de 45%. Quanto à palavra predominante na família, 71% dos/as luteranos/as discordam que seja do marido a última palavra. Já entre o público da pesquisa do ISER, 60% defendem a idéia que a última palavra venha do lado masculino. Há, portanto, entre os dois públicos uma diferença significativa: aproximadamente 18% dos evangélico-luteranos afirmam que a última palavra é do homem na esfera familiar. Há uma diferença de mais de 40%. A idéia de igualdade no âmbito do casal está bem mais presente no meio evangélico-luterano teuto-brasileiro. Nas obrigações em relação ao cuidado da casa e dos/as filhas, a diferença entre os dois grupos torna-se menor. Entre os evangélico-luteranos, aproximadamente 14% concordam com a questão 2 como afirmativa, ao passo que o universo carioca dos informantes chega a 21%.

Considerando que a pesquisa no meio evangélico carioca, na região metropolitana do Rio de Janeiro, alcançou uma maioria pobre e de baixa escolaridade, concluiu-se que "a pregação evangélica tem propiciado transformações modernizantes das relações entre gêneros"4. Se utilizarmos os mesmos conceitos, poderíamos dizer que as transformações modernizantes entre os evangélico-luteranos teuto-brasileiros foram um pouco mais longe. Sabemos, no entanto, que uma comparação desse tipo gera mais problemas do que pistas teóricas. Outras tantas variáveis deveriam ser consideradas na comparação. Por exemplo, a etnia e a condição social.


3 - Reprodução

1. Sua Igreja proíbe o aborto? (093) Sim (027) Não (075) Não sei (005) NR

2. Aceitaria o aborto se o feto tiver alguma doença? (127) Sim (062) Não (011) NR

3. Aceitaria o aborto se houver risco de vida da mãe? (137) Sim (050) Não (013) NR

4. Aceitaria o aborto se houver estupro? (128) Sim (061) Não (011) NR

5. Aceitaria o aborto por decisão da mulher? (040) Sim (160) Não

6. Aceitaria o aborto se os pais não tivesse recursos? (040) Sim (153) Não (007) NR

Aborto

Se olharmos para as questões 2, 3 e 4, notaremos que mais de 60% das pessoas aceitam, sob certas circunstâncias, o aborto. Alegam, para isso, razões relacionadas a doenças do feto (63,5%) e risco de vida da mãe (68,5%). No caso de violação da vontade da mulher, especificamente do estupro, o índice de aceitação do aborto chega a 69%. Quando se trata de fatores que fogem à vontade pessoal, o aborto é considerado aceitável pela maioria. Os mesmos índices baixam significativamente quando o aborto fica sob a alçada da decisão da mulher. Nesse caso, 20 % são favoráveis ao aborto, ao passo que 80% posicionam-se contra a interrupção da gravidez por decisão pessoal. No caso de falta de recursos para sustentar a criança, o mesmo número de pessoas defenderia o aborto. No entanto, aproximadamente 76% acham que o aborto é injustificável em caso de pobreza

Voltando à comparação com o relatório do ISER, novamente saltam aos olhos algumas diferenças. Os índices de aceitação do aborto são mais baixos que entre os evangélico-luteranos. No caso de doença do feto, 46% destes são favoráveis ao aborto, enquanto os outros alcançam a cifra de 39%. No que diz respeito ao risco de vida da mulher, aproximadamente 70% dos/as informantes do estado gaúcho apóiam o aborto, ao passo o mesmo comportamento é assumido por 36% dos/as evangélicos/as cariocas. Destaca-se que Igrejas como a Batista e outras do Protestantismo de Missão são mais favoráveis ao aborto que as pentecostais e neopentecostais5. Quando se trata de estupro, os dados são mais diferenciados. 69% dos/as fiéis da IECLB concordam com o aborto. Já entre o público evangélico do Rio de Janeiro esse índice cai para 23%. Novamente as igrejas pentecostais e neopentecostais são menos favoráveis ao aborto que as outras.

Quando se trata da decisão pessoal da mulher, os dois públicos diminuem a distância entre os seus índices. Como já frisamos acima, 20% das pessoas evangélico-luteranas reservam o direito de a mulher tomar a sua decisão, ao passo que noutro público o índice alcança 15%. Nos dois universos de entrevistados/as, a maioria coloca-se contra a decisão pessoal da grávida em interromper a gravidez: 80% entre evangélico-luteranos e 85% entre protestantes, pentecostais e neopentecostais. Com certeza, tais dados demonstram que o aborto sai da alçada da decisão da mulher na sociedade brasileira. Como não temos dados sobre outras igrejas, nossa suspeita fica prejudicada. Como a religião é um fator determinante em nosso contexto, a proximidade dos índices pode ser atribuída a ele. Também seria importante se tivéssemos dados da população em geral e dos/as católicos/as em particular, excetuando, é evidente, a Hierarquia, que tem uma posição unívoca.

* O relatório do ISER realça que homens e mulheres têm posições distintas frente ao aborto. "A diferença significativa ocorre na hipótese de uma doença que atinge o feto. Neste caso, mulheres tendem a preferir o aborto em maior proporção que os homens."6 Nas demais questões, as diferenças são irrelevantes.


4 - Fé e Bíblia

1. A salvação vem

(095) somente pela fé
(005) pelas obras
(093) pelas obras da fé
(007) NR

2) Quando a pessoa morre

(085) morrem corpo e alma
(101) a alma vai para o céu e o corpo morre
(014) NR

3. De quem é a tarefa de arrancar o joio(mal) do meio do trigo (bem) ?

(117) nossa
(065) de Jesus
(007) nossa e de Jesus
(011) NR

Salvação e Morte

As perguntas deste item não se encontram no Relatório do ISER. Nós as inserimos para averiguar a opinião de filiados/as à IECLB sobre salvação, morte e mal. Em relação ao aspecto doutrinal central da teologia luterana, podemos dizer que menos da metade das pessoas entrevistadas (42,5%) afirma que a salvação vem somente pela fé. Suspeitamos que a terceira alternativa levou as pessoas entrevistadas à confusão. Se houvesse apenas as duas primeiras opções o resultado seria menos confuso. Mesmo assim, descobrimos uma tendência desses membros a respeito do doutrina central das Igreja Luterana. Cabe ainda perguntar se a maioria continua com a teologia das obras ou não entendeu o discurso eclesiástico luterano?

Suponho que não incorro em equívoco se busco, nos dons do Espírito Santo do pentecostalismo, o "equivalente" para a justificação pela na fé na doutrina luterana. Conseqüentemente, a justificação pela fé está para a teologia luterana, assim como o batismo no Espírito Santo que concede dons está para o pentecostalismo. O teólogo pentecostal Bernardo Campos fala em "princípio pentecostal" ou "pentecostalidade"7 para referir-se ao aspecto doutrinal fundamental do pentecostalismo. Para ele, o "princípio pentecostal" tem a dimensão da catolicidade; poderíamos acrescentar que a doutrina da justificação também é universal, em se tratando de fé cristã. Questões teológicas à parte, vamos aos números da fé. Perguntados/as pelo recebimento dos dons do Espírito Santo, dentre os quais se destacam o pregar, profetizar, falar em línguas, curar, exorcizar, 57% dos pentecostais do Rio de Janeiro responderam positivamente. Por conseguinte, quase metade (47%) disse que não recebeu dons do alto.

Considerando, portanto, os números, a diferença entre pentecostais, neopentecostais e protestantes históricos e os evangélico-luteranos não é significativa. Sem puxar a brasa para a sardinha da IECLB, cuja tradição remonta a quase cinco séculos, a doutrina central da teologia luterana demonstra um certo fôlego. Em contrapartida, a chama do Espírito está diminuindo de forma mais rápida. Apenas 26% do público entrevistado no Rio de Janeiro têm o dom de falar línguas estranhas, o selo maior de quem foi batizado no Espírito Santo, conforme pentecostais, carismáticos e neopentecostais.

A concepção antropológica predominante entre as pessoas entrevistadas, na IECLB, caracteriza-se por uma separação entre corpo e alma, talvez mais na morte do que em vida. Cerca de 75% das pessoas entrevistadas adotam uma concepção grega, o que não parece ser novidade, se considerarmos o contexto maior em que vivem e que é profundamente marcado pelo catolicismo popular, pela umbanda e pelo espiritismo. Ironizando, podemos dizer que a maioria luterana é cripto-espírita. A integralidade de corpo e alma é sustentada por 42,5% das pessoas entrevistadas. Vale dizer que a maioria das pessoas entrevistadas são participantes ativas da Igreja. Não sabemos a opinião sobre esse e outros assuntos, já referidos acima, da grande massa que tem um vínculo tradicional/ritual somente.

Com o objetivo de averiguar a presença ou não do dualismo "bem-mal", utilizamos termos da parábola do joio e do trigo, cujo final é surpreendente: Jesus enfatiza que a tarefa de extirpar o mal cabe a ele no juízo final. Estou ciente de que os dados precisam ser relativizados, tanto estes como os demais. Não conhecemos as motivações mais profundas das pessoas que deram as informações e também temos que considerar nossos equívocos na formulação das perguntas. Mesmo assim, podemos presumir que as pessoas, religiosas ou não, sentem-se mensageiras do bem em contraposição ao mal. Seria importante se tivéssemos dados da população em geral para fins de comparação, evitando, assim, uma certa absolutização dos números entre evangélico-luteranos.

Se tomarmos em consideração que bem e mal - pelo menos numa perspectiva teológica luterana - não se encontram em pólos estanques, a opinião da maioria das pessoas destoa da voz oficial, pois quase 60% se dispuseram a extirpar o mal com as próprias mãos. Portanto, presumindo que o contexto maior, religioso e secular, pauta-se pelo dualismo, o índice de 32,5% de luteranos que atribui a Jesus a erradicação do mal é significativo.


5 - Comunhão e Exclusão

1. A pessoa homossexual pode participar da comunidade/igreja?
      (161) Sim (012) Não (024) Indiferente (003) NR

2. A pessoa adúltera pode participar da comunidade/igreja?
      (155) Sim (020) Não (025) Indiferente

3. A mãe solteira pode participar da comunidade/igreja?
      (185) Sim (001) Não (006) Indiferente (008) NR

4. O pai solteiro pode participar da comunidade/igreja?
      (187) Sim (002) Não (005) Indiferente (006) NR

5. Uma pessoa que porta o vírus da AIDS pode participar da comunidade/igreja?
      (187) Sim (004) Não (004) Indiferente (005) NR

6. Se soubesse que o/a pastor/a de sua comunidade é homossexual (sente atração por pessoa do mesmo sexo), qual seria a sua reação?
      (039) aceitaria

      (059) rejeitaria

      (071) tanto faz, desde de que cumpra o seu trabalho

      (020) não sei a resposta

      (011) NR


Igreja Includente

Se considerarmos que as respostas às perguntas 1 a 5, do bloco Comunhão e Exclusão, giram em torno de 80% de aceitação, poderíamos afirmar que estamos diante de comunidades altamente includentes. Evidente que estamos falando de participação na vida comunitária. Por exemplo, às pessoas que portam o HIV não é vedada a participação. Também deve ser dito que os critérios que definem a pertença a uma comunidade da IECLB distinguem-se em muito de outros que caracterizam a vinculação a igrejas pentecostais e neopentecostais. Como a maioria dos luteranos nasce numa Igreja pouco legalista, o vínculo de pertença não estipula uma relação de normas rígidas e costumes a serem seguidos. Suspeito que a idéia de que todo mundo é pecador esteja presente, mas pouco explicitada verbalmente, entre os/as evangélico-luteranos.

Contrapondo os dados deste item com os do Relatório do ISER, notaremos diferenças significativas. Para o público da pesquisa do ISER, 53% dos fiéis afastariam homossexuais da vida comunitária, ao passo que, na IECLB, 6% adotam uma postura idêntica de exclusão. Também 53% das pessoas adúlteras seriam afastados das congregações pentecostais, neopentecostais e do protestantismo de missão. Em relação ao público da IECLB, 10% e 12,5% afastariam as pessoas adúlteras ou são indiferentes à participação delas, respectivamente. No caso de rejeição ou afastamento de pessoas aidéticas, os índices de rejeição são baixos em ambos os relatórios: luteranos/as em torno de 5% e os outros evangélicos 6%. Dentre as pessoas evangélicas cariocas, as que pertencem à Igreja Universal do Reino de Deus são as menos punitivas e as da Assembléia de Deus as mais excludentes. Tomemos como exemplo a exclusão de mães solteiras. 66% dos assembleianos afastariam da comunhão uma mãe solteira, enquanto 21% das pessoas filiadas à IURD assumiriam posição idêntica à da Assembléia de Deus. As outras perguntas guardam a mesma proporção de aceitação e rejeição. Concluímos, pois, que IECLB e Igreja Universal são, nesses aspectos, instituições religiosas includentes, com baixo nível de punição às pessoas que não se enquadram no perfil moral dos respectivos grupos. Todavia, a mesma postura baseia-se em razões distintas.

Os dados a respeito da aceitação ou rejeição de pastores/as homossexuais demonstram que os/as membros da IECLB são talvez menos preconceituosos do que o clero luterano. Somando as pessoas que aceitam (20%) e aquelas para as quais o trabalho pastoral está acima da condição sexual (35%), temos uma maioria (55%) que não discrimina pastores/as homossexuais. A posição clara de rejeição é expressa por 30% das pessoas entrevistadas.

No relatório do ISER, não existe uma pergunta a esse respeito que considere a categoria pastoral. Mesmo assim, considero sugestivo fazer a comparação. Perguntados se afastariam um homossexual da comunhão da Igreja, 66% dos fiéis da Assembléia de Deus disseram que sim. Os batistas baixaram dois pontos percentuais em relação à Assembléia de Deus e 76% do público da Igreja Universal disseram que aceitariam homossexuais. Novamente vemos destoar no meio evangélico pentecostal e protestante de missão a IURD.


6 - Participação e Política

1. Qual a tarefa mais importante do Governo?

(004) Favorecer pessoa como eu
(041) Favorecer os mais pobres
(137) garantir do desenvolvimento
(018) NR.

2. Você participa de

(030) Sindicato (011) Associação esportiva (005) Associação de moradores
(016) Clube de serviço (008) Grêmio estudantil (009) Partido Político
(060) Outros (042) NR (019) Não participam

3. Qual o partido político de sua preferência?

(030) PMDB (020) PPB (003) PTB (003) PFL (040) PT (001) PSDB
(000) PSB (000) PPS (012) PDT (001) PCdoB (001) PSTU (008) Outro
(080) NR

4. Em que partido não votaria de jeito nenhum?

(015) PMDB (005) PPB (003) PTB (006) PFL (033) PT (002) PSDB
(000) PSB (001) PPS (001) PDT (023) PCdoB (008) PSTU (001) Outro
(077) NR (025) Não vota em partido

5. Votaria se o voto não fosse obrigatório?
      (165) Sim (024) Não (011) NR

6. Em quem você votou para Governador nas últimas eleições?

(073) Britto (075) Olívio (008) Em branco (011) Não votou (013) NR
(020) Não declarou voto por ser secreto

Luteranos/as novamente surpreendem positivamente quando se trata de participação cívica, social e política, se compararmos com o senso comum ou voz corrente de que somos um povo que pouco participa, ganhando, assim, a pecha de alienado. Como podemos ver nos dados, a realidade se mostra bem diferente. Para 20%, a tarefa mais importante do governo é favorecer os mais pobres. Aproximadamente 70% responderam que ao governo cabe garantir o desenvolvimento. Evidente que o questionário sempre fez perguntas genéricas. Não caracterizamos nossa compreensão de desenvolvimento. Por essa razão, não sabemos se a compreensão de desenvolvimento assemelha-se à da política dominante nacional, segundo a qual o crescimento econômico não se reverte na elevação dos índices de qualidade de vida ou se se caracteriza pelo crescimento da dignidade de vida. No último século, o Brasil foi um dos países com maior índice de crescimento econômico, ao mesmo tempo em que ocupava postos elevados na exclusão. Contudo, as/os evangélico-luteranos consideram importante que o governo alavanque o desenvolvimento. Entre os evangélicos cariocas, os índices foram um tanto diferentes. 40% acham que o presidente deve ter como sua tarefa favorecer os mais pobres e 55% garantir o desenvolvimento. Notem que perguntamos pela tarefa do governo, ao passo que o relatório do ISER perguntou pela missão do presidente da república.

A participação sócio-política e cívica teve índices significativos. A participação em partidos políticos foi a mais baixa (4,5%). Se considerarmos, no entanto, a média da participação nacional poderíamos afirmar, sem sombra de dúvida, que o patamar de participação em partidos políticos entre evangélico-luteranos é alto. Vejam que os dados do relatório do ISER apontam que apenas 1% de seus entrevistados diz participar de partidos políticos, destacando, ainda, que a participação média da população da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, área de abrangência da pesquisa, alcança 2%. Quanto à participação em Associações de Moradores, os evangélicos da Grande Rio alcançam o índice de 7%, três pontos acima da participação da população em geral. Entre os evangélico-luteranos gaúchos, a participação em Associações de Moradores chega a 2,5%. Em grêmios estudantis o dado é significativo: 4%. Em Clubes de Serviço há um respeitável engajamento dos/as membros da IECLB. Como o leque de espaços de participação é grande, 30% disseram que participam de outros espaços sociais e cívicos. Expressiva é a participação sindical: 15% das pessoas filiadas à IECLB têm alguma forma de vínculo aos sindicatos. Evidente que não caracterizamos o vínculo de participação. Apenas 30% do público da IECLB no Rio Grande do Sul não participam de atividades além da igreja.

Os dados a respeito da pergunta genérica sobre preferência partidária traz um saldo altamente positivo. Aproximadamente 50% têm preferência partidária, o que não significa dizer que são filiados a partidos políticos. Isso pode indicar o grau de tensão quando pastores/as abrem publicamente a sua preferência partidária. Mas também pode mostrar que a democracia formal, tão bem acentuada em nosso meio, requer uma prática democrática nas comunidades religiosas. A reação dos membros a preferências partidárias abertas por parte do clero não se fundamenta no desinteresse pela política, mas no seu contrário.

Como na história política do Rio Grande do Sul a polarização partidária sempre foi muito explícita, a mesma tensão aparece nos dados de nossa pesquisa. Aproximadamente 15% preferem o Partido do Movimento Democrático Brasileiro e 20% o Partido dos Trabalhadores. O Partido Progressista Brasileiro, com 10% de preferência, é o terceiro colocado entre os evangélico-luteranos. O Partido Democrático Trabalhista fica em quarto lugar na preferência dos evangélico-luteranos, alcançando o índice de 6%. Logo, os dados à nossa disposição indicam as tendências maiores na política gaúcha. Tomamos, como exemplo, a tensão entre PMDB e PT no momento atual. Além disso, permite-nos dizer que, devido à história recente do PT, este partido tem um alto índice de preferência entre os evangélico-luteranos. O dado confere com dados de outras pesquisas sobre as preferências partidárias que não são publicadas. Afirmamos, com isso, que as tendências de outras pesquisas, de caráter científico e feitas por Institutos reconhecidos nacionalmente, confirmam os nossos dados. No momento, 21% do eleitorado demonstram a sua confiança no Partido dos Trabalhadores, no Rio Grande do Sul, o que representa um índice alto, se considerarmos a realidade nacional.

A obrigatoriedade do voto está garantida pela disposição voluntária em participar da escolha das lideranças políticas. Mais de 80% dos/as evangélico-luteranos/as votam livremente. Apenas 10% participam de processos eleitorais pela imposição da lei.

Na escolha do governador do Rio Grande Sul, os dados confirmaram a reduzida diferença entre Antônio Britto, que concorreu à reeleição em 1998, e Olívio Dutra, que havia perdido a eleição em 1994 para o mesmo concorrente. Significativo é o fato de que aproximadamente 75% das pessoas entrevistadas não tiveram problemas em declarar o seu voto. Um número pequeno de eleitores não se manifestou, alegando que o voto é secreto, assim como o foi o questionário, que não solicitou o nome das pessoas. Também deve ser destacado que ao, tabular os dados, percebemos que pessoas de partidos que compunham a aliança promovida pelo PMDB votaram em Olívio Dutra. Como o Partido dos Trabalhadores é o que tem um maior índice de rejeição (16,5%), seguido do PMDB, com 7,5%, pode-se deduzir que aproximadamente 80% do eleitorado poderá votar no PT, assim como 90% ou mais no PMDB, PTB, PDT e PFL. Tais dados talvez estejam confirmando a idéia de que, para a maioria, o voto vincula-se à pessoa do candidato e não ao partido. Com isso, a democracia formal se fragiliza muito. A forte tradição de filiação à igreja ainda não se espraiou no campo da política partidária. Nesse sentido, evangélico-luteranos acompanham o senso comum dominante da sociedade brasileira, não obstante índices expressivos de preferência partidária e participação sócio-política.


Comentários inconclusos

O nosso ensaio demonstra a relevância da pesquisa social para a Igreja ou outra instituição que exerce influência ou esteja perdendo espaço na sociedade. Como já destacamos acima, não estamos sugerindo que opiniões e dados balizem o corpo de doutrina de uma instituição eclesiástica. Teologicamente falando, Deus continua sendo Deus mesmo que 95% da humanidade não acreditem nele ou se declarem ateus. Da mesma forma, uma Igreja Luterana não abrirá mão da justificação pela fé porque 51% de seus membros pensam diferente de sua doutrina fundamental. Mas a pesquisa poderá levantar tendências sobre a forma como determinado público está pensando e vivendo a fé evangélica e quais as influências do contexto maior na prática da fé de um determinado grupo. As práticas religiosas e as visões de mundo e vida estão em constante mudança. Outro exemplo do que estamos tentando defender pode ser extraído do Sumário das Principais Conclusões da pesquisa do ISER. Sobre a contribuição financeira nas igrejas pentecostais, carismáticas e neopentecostais, 71% disseram contribuir com o dízimo ou mais - contra 29% com menos ou nada. Estes dados relacionados a outros demonstram que a "contribuição financeira tem o sentido de uma retribuição pelas graças recebidas."8

Recorremos freqüentemente ao relatório do ISER com o objetivo de apresentar dados e opiniões do universo pentecostal, neopentecostal e do protestantismo de missão, cuja influência se faz presente nas igrejas históricas, gerando uma intensa discussão e muitas apreensões. Nessa perspectiva, os resultados de ambos os lados são surpreendentes. No lado evangélico-luterano, são surpreendentes os dados sobre a inclusão e a participação cívica e sócio-política, aproximado-se a índices da IURD em alguns aspectos. No universo pentecostal, chamou a atenção o alto grau de exclusão das congregações quando se trata de questões morais e a compreensão de que tal público participa nos campos cívico e sócio-político, num grau bem maior que o da população em geral.

De qualquer forma, os dados do ISER e os de nosso exercício de pesquisa contrariam o senso sociológico comum e as opiniões apressadas de parte do clero luterano e das lideranças da IECLB em quase todos os níveis. Urge uma mudança de visão para que se possa acompanhar as transformações significativas e positivas de seus filiados. Estamos pensando especificamente na IECLB. Em tom um tanto irônico encerro com uma pergunta que nasce do senso comum e se expressa em avaliações fáceis ou simplórias: Quem é mais conservador na IECLB: grande parte do clero ou os membros das comunidades religiosas que sustêm a igreja? É preciso ter coragem para fazer pesquisa. Assim como o encontro com Deus sempre traz surpresas que nos espantam, por não confirmar nosso jeito de vê-lo, da mesma forma a pesquisa pode trazer surpresas. Poucas vezes ela confirma nossos pontos de vista. Na maioria da vezes, ela nos confronta com uma realidade diferente daquela que construímos. Afinal, somos construtores/as do mundo com palavras carregadas de significados e experiências. Felizmente, essa casa-mundo não é eterna. Por essa razão, a pesquisa sugere construir tendas ou barracas. Como diz Guimarães Rosa, pela boca de um dos personagens de Grande Sertão Veredas: "Tudo me aquieta, me suspende. Qualquer sombrinha me refresca. Mas é só muito provisório."


Bibliografia

CAMPOS, Bernardo. De la Reforma protestante a la pentecostalidad de la Iglesia : debate sobre el Pentecostalismo en América Latina. Quito : CLAI, 1997.

MACHADO, Maria das Dores Campos. Carismáticos e pentecostais : adesão religiosa na esfera familiar. Campinas : Autores Associados/ANPOCS, 1996.

MILBANK, John. Teologia e teoria social : para além da razão secular. São Paulo : Loyola, 1995.

NOVO NASCIMENTO : os evangélicos em casa, na igreja e na política. Rio de Janeiro : ISER, Maio de 1996.

Notas
1 Novo nascimento : os evangélicos em casa, na Igreja e na política. Rio de Janeiro : Instituto de Estudos da Religião, maio de 1996, p. 8-9. Trata-se de uma pesquisa através de um extenso questionário aplicado a 1332 evangélicos da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, abrangendo as Igrejas Assembléia de Deus, Batista, outras pentecostais, históricas, renovadas e universal; as pessoas entrevistadas pertencem a mais de 50 denominações. Na amostra não aparecem igrejas luteranas.

2 Excetuando o número menor de perguntas feitas aos/às luteranos/as, os 200 questionários representam mais que os 1332 de Novo Nascimento no campo de sua abrangência. Supomos que a amostra do ISER foi feita num universo de mais de 20 milhões de evangélicos, ao passo os evangélico-luteranos da IECLB alcançam os número aproximado de 700.000 pessoas.

3 Conforme dados do IBGE, a população brasileira é composta por 50,80% de mulheres e 49,20% de homens.

4 Novo Nascimento, p. 68

5 Ibid., p. 70.

6 Ibid.

7 Bernardo CAMPOS, De la Reforma Protestante a la Pentecostalidad de la Iglesia, p. 90ss.

8 Novo Nascimento, p. 88.

Oneide Bobsin
Oneide Bobsin: Bacharel em Teologia pela Faculdade de Teologia da Escola Superior de Teologia. Mestrado em Ciências da Religião (1984) e Doutorado em Ciências Sociais/Sociologia da Religião (1992), PUC-SP. Desde 1996 é professor de Sociologia e Ciências da Religião nos programas de graduação e pós-graduação (mestrado e doutorado) em Teologia - São Leopoldo/RS