Estudos Teológicos 2001, v. 41, n. 2, p. 75-85

Afro-descendentes da Colônia Alemã Protestante de Três Forquilhas
Elio E. Müller

Resumo
Elio E. Muller, pastor emérito da IECLB, analisa neste artigo a participação de aproximadamente 60 afro-descendentes na comunidade luterana de Três Forquilhas (litoral norte do Rio Grande do Sul) durante o período que compreende o final do século XIX e início do século XX. Suas fontes de pesquisa foram o Livro do Registro Eclesiástico, mantido pelo então pastor Carl Leopold Voges, e depoimentos colhidos de pessoas idosas da localidade, quando de seu pastorado naquela localidade, nos anos 70. Ele constata que tanto o pastor como vários outros colonos da época possuíam escravos. Realça a história, o papel e a influência desempenhados na comunidade pela escrava Maria, da nação Nagô, finalizando com um breve ensaio de uma pastoral para afro-descendentes, como realizada na época pelo trabalho integrativo do pastor Ernst Theodor Lechler, a partir de 1899.

Resumen
Elio E. Müller, pastor emérito de la IECLB, analiza en este artículo la participación de apróximadamente sesenta Afro-descendientes en la comunidad luterana de Três Forquilhas (litoral norte de Rio Grande del Sur) durante el periódo que comprende el final del siglo XIX y los inicios del XX. Sus fuentes de investigación fueron el Libro de Registro Eclesiástico, llevado por el entonces pastor Carl Leopold Voges, y testimonios recogidos de personas ancianas de la localidad, en la época de su pastorado durante los años setenta. El comprueba que tanto el pastor, así como otros varios colonos de la época poseían esclavos. Realza la historia, el papel y la influencia desempeñada en la comunidad por la esclava Maria, de la nación Nagô, finalizando con un breve ensayo de una pastoral para afro-descendientes, como la realizada en la época mediante el trabajo integrativo del pastor Ernst Theodor Lechler, a partir de 1899.

Abstract
Élio E. Müller, pastor emeritus of the IECLB, analyzes in this article the participation of approximately 60 afro descendants in the Lutheran congregation of Três Forquilhas (northern coastal region of Rio Grande do Sul) during the period that includes the end of the 19th century and the beginning of the 20th century. His research sources were the Book of Church Records kept up by the pastor at that time, Carl Leopold Voges, and statements made by the elderly people of that locality when he was the pastor in that place in the seventies. He affirms that the pastor as well as several other colonists of that period owned slaves. He emphasizes the history, the role and the influence of the slave Maria, of the Nagô nation, on the community. He ends with a brief essay on the ministry with afro descendants, as was carried out in that period through the integrative work of pastor Ernst Theodor Lechler, as of 1899.

Ao final do século XIX, a Comunidade da Colônia Alemã Protestante de Três Forquilhas contava com um significativo número de integrantes afro-descendentes, que se diziam evangélicos. Uma riqueza desperdiçada ainda na primeira metade do século XX.

1 - A presença de afro-descendentes na Colônia de Três Forquilhas

No ano de 1888, por ocasião da abolição da escravatura no Brasil, existiam, na Colônia Alemã Protestante de Três Forquilhas, em torno de 250 afro-descendentes (FHO nº 01).

Queremos ajudar os leitores a localizar essa Colônia, que fora formada em 1826. Ela se situava na área conhecida como “Litoral Norte do Rio Grande do Sul”.

A partir de 1970, quando comecei a exercer o cargo de pastor na Comunidade Evangélica desta antiga Colônia de Três Forquilhas, passei a entrevistar pessoas idosas que designei por “Fonte da História Oral” (= FHO). Esta sigla, portanto, irá aparecer neste trabalho, para indicar os diferentes depoimentos colhidos e que interessam para esta pesquisa.

A “Fonte da História Oral” era bastante confiável. Além disso, pudemos confrontá-la com as fontes primárias disponíveis. Dessa forma, com segurança validamos a estimativa que fala em 250 afro-descendentes. Verificamos que quase um quarto deles eram considerados protestantes (evangélico-luteranos). Muitos deles constam do Livro do Registro Eclesiástico, mantido pelo pastor Carl Leopold Voges.

O Livro do Registro de Batismos tornou-se, dessa forma, a fonte mais importante de nossa pesquisa, uma vez que permite que possamos conhecer detalhes interessantes, como por exemplo, a época da entrada dos primeiros escravos, o nome dos donos de escravos (colonos, membros da Comunidade Evangélica), bem como o nascimento de filhos de escravas evangélicas, batizados pelo pastor Voges.

Com base no Registro Eclesiástico, verifica-se que o primeiro dono de escravos na Comunidade Evangélica fora o próprio pastor Voges. Existe o assentamento de que, no dia 18 de janeiro de 1848, ele batizara o menino Anton, nascido em 18 de novembro de 1847, filho de Maria, da Nação Nagô, escrava do pastor Carl Leopold Voges, constando como padrinhos Magdalena Eigenbrodt e Catharina Jacoby.

2 - Os escravos do Pastor Carl Leopold Voges

Conforme a tradição oral (FHO nº 01), a compra de escravos por parte de pastor Voges tivera a seguinte motivação: ao término da Revolução Farroupilha, o pastor Voges, vendo que a construção que servia como igreja e escola estava decaindo, propôs que se fizesse uma nova igreja, mais sólida, de pedra. Ele viajara muitas vezes até a Vila de Torres e assim pudera observar que os católicos da Colônia São Pedro também estavam com plano idêntico. Ele não desejava ficar para trás.

Os colonos protestantes receberam o plano com satisfação. Porém, ninguém se dispunha a assumir o trabalho de talhar pedras. Diziam que uma tal tarefa só poderia ser destinada a condenados ou escravos. O fato é que diversos desses imigrantes haviam saído das prisões de Mecklemburgo e Rostock. Talvez os mesmos até tivessem sido forçados a quebrar pedras e fazer outros trabalhos pesados. Essa indisposição da parte dos colonos evangélicos levaria o pastor Voges a buscar uma solução particular. Na primeira viagem a Porto Alegre, ele seguiu até o mercado de escravos. Procurou por negros que conhecessem bem o trabalho de talhar pedras de construção. Foi atendido. Adquiriu então alguns escravos. Talvez dois ou três. Não conseguimos nenhuma informação mais precisa em nossas pesquisas sobre o número de escravos por ele adquiridos.

Mais tarde, os afro-descendentes evangélicos haveriam de afirmar que coubera para eles o trabalho mais importante e mais pesado e que permitira a construção da sonhada igreja de pedra.

Na mesma oportunidade em que pastor Voges comprara os escravos, fora-lhe oferecida uma jovem mulher africana, recém chegada ao Brasil. O pastor decidira adquiri-la com o propósito de aliviar a pesada carga de tarefas que repousava sobre a sua esposa, Elisabetha. Ela, além de mãe de crianças ainda pequenas e do cuidado pelas lides domésticas, também lecionava na escola da Igreja, mantida pelo pastor. Dessa forma, em 1847, entraria na casa pastoral a jovem Maria, da nação nagô, conforme se verifica pelo Registro Eclesiástico.

3 - Outros colonos evangélicos donos de escravos

Na verdade, os imigrantes estavam proibidos de ter escravos em suas propriedades. Na Colônia Alemã Protestante de Três Forquilhas, a lei, no entanto, seria burlada. Outros colonos, constatando o procedimento de pastor Voges, também quiseram contar com tal mão-de-obra nos engenhos que estavam instalando naquela época, logo após o término da Revolução Farroupilha.

Convém esclarecer que os primeiros escravos na região onde estava inserida a Colônia de Três Forquilhas não eram os que pastor Voges adquirira. Esses apenas haviam sido os primeiros pertencentes a um imigrante alemão e evangélico. Em torno da Colônia Alemã, estavam estabelecidos sesmeiros lusos e açorianos, chegados já antes da vinda dos imigrantes alemães. Esses sesmeiros, em seus engenhos de cana de açúcar, trabalhavam com o braço de dezenas de escravos.

Um destes donos de engenho era extremante com as terras da Colônia Alemã. Ele viria a propiciar inesperadamente um comércio clandestino de escravos na região. Conforme a tradição oral (FHO nº 03), tratava-se de Serafim da Silveira Marques que, já antes da instalação da Colônia Alemã (1826), recebera das autoridades do Império uma Sesmaria conhecida como “Sesmaria de Três Pinheiros”, contando com mais de 30 milhões de metros quadrados de terra. A sesmaria extremava, ao norte, com as terras do colono Johann Nicolaus Mittmann (na área hoje conhecida como “Linha Mittmann”). Silveira Marques não viera ocupar suas terras antes pelo fato de ter recebido outra área ainda maior na fronteira do Sacramento, como paga por serviços prestados na defesa do território. Ele devia ser um capitão das forças imperiais brasileiras, homem de muitas posses, com 18 filhos já adultos e dono de mais de 50 escravos. Ao tomar conhecimento da instalação dos colonos no Vale do Rio Três Forquilhas, no extremo norte de sua Sesmaria, ele decidira tomar posse da propriedade. Apenas esperou pelo término da Revolução Farroupilha, quando entrou em Três Pinheiros. Porém, constatou que a terra já estava ocupada. Estavam ali estabelecidos índios com malocas e pequenas lavouras. Estes índios, alguns deles já aculturados, teriam ajudado os imigrantes alemães, em 1826, a construir os primeiros ranchos (malocas) para o início da Colônia.

Silveira Marques decidira pela expulsão dos índios. O cacique, porém, teria resistido, afirmando que aquela terra era dos índios e não dos brancos. Silveira Marques trucidou o velho cacique e alguns índios. O filho mais velho do cacique, não vendo outra alternativa, fugiu com os sobreviventes, indo para um lugar desabitado, no interior de Lagoa Vermelha. Passo seguinte, Silveira Marques enfrentaria nativos (peões lusos) que haviam se estabelecido na subida dos morros, à margem da trilha que leva a Potreiro Velho (rumo ao interior de São Francisco de Paula). Ocorreu um combate sangrento, com a morte de inúmeros peões serranos. Os derrotados não se conformaram. Apelaram para as autoridades da Comarca de Santo Antônio da Patrulha, à qual todos pertenciam. Na época, existiam poucos municípios em todo o Rio Grande do Sul.

Um fato que chama a atenção é que a morte dos índios não tivera nenhuma repercussão. Matá-los não era crime. Entretanto as mortes dos peões lusos levariam Silveira Marques perante o tribunal. Seria condenado à prisão. Nessa oportunidade, é que teriam sido colocados à venda os escravos desse sesmeiro luso. Na intenção de comprar a liberdade, ele se dispusera a vender todos os escravos a qualquer preço e até na clandestinidade. Seriam exatamente o baixo preço e a clandestinidade do negócio que levariam os colonos alemães a entrar nas negociações. Conforme o Registro Eclesiástico, os imigrantes alemães Johann Nicolaus Mittmann, Carl Kellermann e Johann Hoffmann passariam a ser donos de escravos.

MAPA: MULHERES NEGRAS (ESCRAVAS)

da Colônia Alemã Protestante de Três Forquilhas

(Fonte: Livro do Registro de Batismos)

Nome da escrava

Vinda

Dono da escrava

01 – Maria, da nação nagô

1847

Pastor Carl Leopold Voges

02 – Maria Preta

1848

Carl Kellermann

03 – Negra Ritha

1850

Johann Nicolaus Mittmann

04 – Negra Anna

1856

Sem menção de dono

05 – Negra Juvência

1859

Francisco de Paula Feijó

06 – Negra Delfina

1860

Carl Jacoby

07 – Preta Maria

1863

Viúva Anna Maria Hoffmann

08 – Negra Luisa

1865

Mathias Grassmann

09 – Negra Eva

1866

Peter Paul König

10 – Eva Santa

1866

Sem menção de dono

11 – Negra Maria Luisa

1867

Mathias Grassmann

12 – Negra Rosalia

1884

Nicolaus Grassmann

13 – Negra Joaquina

1886

Peter Paul König

14 – Preta Maria Azevedo

1886

Sem menção de dono



A tradição oral (FHO nº 03), porém, insistiu que outros colonos também teriam adquirido escravos. Os nomes apenas não chegaram a constar do Registro Eclesiástico, pelo fato de terem comprado apenas homens, de modos que estes não tiveram crianças para batizar.

Os imigrantes alemães donos de escravos teriam, na época, optado pela construção de engenhos de cana para atuar na produção de rapadura, cachaça e açúcar mascavo.

Teria sido por volta de 1847 o início de um processo de miscigenação na Colônia Alemã de Três Forquilhas, por causa da presença de índios, lusos, açorianos e afro-descendentes. Os livros do Registro Eclesiástico comprovam a miscigenação. Quarenta anos mais tarde, por ocasião da abolição da escravatura, a Colônia já apresentaria uma nova característica. Tornara-se uma sociedade pluriétnica e pluricultural.

4 - A história de Maria, da nação nagô

Conta a tradição oral (FHO nº 01), que o “Pátio do Engenho” do pastor Voges passara a ser o local de reuniões, escolhido por Maria, da nação nagô, quando ela decidira orientar os afro-descendentes da Colônia. Esse “Pátio do Engenho” situava-se a aproximadamente 15 metros da igreja, nos fundos da casa do pastor Voges. O pátio era protegido por um pequeno taquaral e um centenário e frondoso cedro vermelho, sob cuja sombra Maria falava com os seus descendentes e vizinhos negros. Por volta de 1860, ela solicitara autorização para ensinar seus filhos, os filhos de outras escravas da vizinhança e até mesmo mulheres e homens adultos.

Maria nascera na África por volta de 1825 e fora trazida ao Brasil em 1846, ocasião em que o pastor Voges a adquirira. Os primeiros anos haviam sido voltados à adaptação à casa do pastor. Ela tivera que freqüentar as aulas de Dona Elisabetha para ser alfabetizada e para aprender a língua alemã. O motivo principal teria sido a simples necessidade de permitir uma melhor comunicação dos donos com ela.

Maria teria, desde a chegada, a absoluta confiança de Dona Elisabetha. Igualmente os negros da Colônia passariam a tê-la como sua líder. Os afro-descendentes passariam a chamá-la de “Mãe Maria”, em sinal de submissão e respeito.

Ouvindo tal relato imaginamos Mãe Maria, por volta de 1860, com 15 anos de vida no Brasil, começando a observar as diferenças entre o seu povo de origem e essa gente da Colônia Alemã.

Simone de Beauvoir, no livro Segundo sexo (1949), afirma: “Não se nasce mulher, torna-se mulher”. Algo assim deve ter acontecido com Mãe Maria. Na África, ela não tivera consciência de sua negritude. Ela fora apenas uma mulher, na nação nagô, em meio a tantas outras tribos ou nações africanas.

Essa consciência de sua negritude certamente só aflorara aos poucos. Em 1860, parece que ela se tornava uma negra consciente de sua condição africana, interessada na sua própria história, língua e costumes. Ela desejava ensinar essas raízes e esses costumes dos ancestrais aos seus filhos e a outras negras.

Nas reuniões, ela não contava apenas histórias. Ela fazia questão de cantar e de ensinar passos de dança, do costume nagô. No princípio, o pastor Voges, a esposa, os filhos e netos, e alguns vizinhos, teriam ido ver e ouvir, com curiosidade, o que ali se fazia. Porém, logo tudo caíra numa rotina, como se tudo passasse a fazer parte da vida normal dos fins de semana, sem mais despertar uma atenção maior.

Os afro-descendentes reuniram-se com certa regularidade no “Pátio do Engenho”, sob a liderança de Mãe Maria, até que sobreveio a Revolução Federalista, que afetaria a vida de toda a população. Tudo acabaria de repente.

Na mesma época da Revolução, uma terrível epidemia se abateu sobre a Colônia de Três Forquilhas. Pastor Voges seria vitimado pelo mal em 1893 e Dona Elisabetha e Mãe Maria em 1894. Inúmeros outros afro-descendentes e familiares de colonos de origem alemã também pereceram.

5 - A influência de Mãe Maria

Mãe Maria deixara marcante influência na casa do pastor, na vida dos filhos, netos e bisnetos do pastor e nos negros da Colônia. Nem fora tanto assim pelas reuniões no “Pátio do Engenho”. Mais decisiva teria sido o serviço que ela prestara dentro da casa pastoral e nas festas da Igreja.

Mãe Maria distinguira-se como cozinheira e doceira. Além do trivial exigido pela patroa, ela preparava, em dias especiais, manjares e iguarias jamais vistos. Lamentavelmente não existem receitas anotadas. A tradição oral (FHO nº 01) apenas soube informar sobre alguns dos ingredientes usados por Mãe Maria nas diferentes receitas. Ela utilizava mel e leite de vaca, leite de milho verde, frutas silvestres, açúcar mascavo. Ou então utilizava o fubá para fazer guloseimas. Também com aipim raspado e outros ingredientes ela preparava uma gostosa comida. Tudo era disputado não só pelas crianças, mas até pelos adultos. Mãe Maria também sabia preparar afrodisíacos, alguns tendo na composição ervas do campo, outros mel ou ovos de pássaro. Quem teria feito uso desses afrodisíacos? O pastor e esposa?

Diante dos afro-descendentes, Mãe Maria passaria a ser uma espécie de curandeira e sacerdotisa. Ela receitava chás e xaropes que ela mesma preparava, feitos de folhas, ervas ou raízes de plantas medicinais. Fazia rezas e tratava a todos os doentes e carentes com muito amor.

Na casa do pastor e na igreja, porém, ela se declarava como sendo uma mulher evangélica, com fé em Cristo. Muitas vezes, ela teria expressado o desejo de ver um filho ou outros descendentes dela, preparando-se para ser pastor, e seguir os passos do velho Voges.

6 - A descendência de Mãe Maria na Igreja Evangélica Luterana

Mãe Maria teve cinco filhos, conforme o Registro Eclesiástico:

Anton (18.11.1847), Johannes Heinrich (20.02.1850), Rosária (28.09.1852), Manoel (21.10.1854), Amália (20.09.1855).

Rosária seria a sucessora de Mãe Maria depois de 1894. Casada com Negro Vicente, ela daria os seguintes netos para Mãe Maria: Ritha (09.08.1869), Luciano (14.09.1871), Carlina ou “Candinha” (1872).

Candinha” seria a sucessora de Rosária. Casada com o liberto João Moreira, ela daria os seguintes bisnetos para Mãe Maria: Arthur (07.06.1889), Maria Antonia (30.07.1890).

Maria Antonia, já na casa do Coronel Carlos Frederico Voges Sobrinho (neto do pastor), daria as seguintes trinetas para Mãe Maria: Osvaldina e Olga.

Osvaldina daria para Mãe Maria os seguintes tetranetos: Benoni e Sadi.

Sadi Moreira ingressaria na Faculdade de Teologia da IECLB em 1969. Por força das circunstâncias, em uma época ainda por demais germanista, de uma Igreja incapaz de aceitar um pastor de origem negra, ele seria aconselhado a tornar-se diácono. Atualmente ele atua em Panambi-RS.

7 - Um breve ensaio de uma pastoral para afro-descendentes

Em 1899, a Comunidade Evangélica de Três Forquilhas passaria a contar com o trabalho do pastor Ernst Theodor Lechler. Ele se revelaria um ministro eclesiástico com uma visão extraordinária, ao decidir dar aos afro-descendentes uma atenção privilegiada, reconhecendo a grande riqueza que os mesmos representavam para a Igreja.

Organizou um coral integrado exclusivamente por afro-descendentes e passou a realizar cultos especiais para a população negra da Colônia de Três Forquilhas, bastante numerosa.

A tradição oral informa (FHO nº 02) que o templo tornava-se pequeno quando se realizavam os cultos para negros. Eram centenas de homens, mulheres e crianças que acorriam muito mais para ver os irmãos e amigos cantando no coral, do que para ouvir o pastor.

Interessante é o relato sobre os ensaios do coral. Os cânticos eram tanto em língua alemã como em português. Uma vez que a maioria dos afro-descendentes não dominava a língua alemã, o pastor apenas ensaiava cânones ou estribilhos em língua alemã. O peso maior teria sido para cânticos em português.

Um dia desses, em meio a um ensaio de rotina, o pastor teria constatado que alguém estava destoando. Passando bem devagar pelas fileiras de cantores e aguçando o ouvido, teria localizado aquele que estivera totalmente fora do tom. Ao invés de cantar “O lasset uns anbeten” (em português, seria “Ó vinde e adoremos” – HPD nº 17), ele teria cantado “O laço de São Pedro”.

O Pastor Lechler transferiu-se para a cidade de Santa Cruz do Sul em 1907. Seu sucessor simplesmente teria abolido esse trabalho dedicado aos afro-descendentes.

8 - Fontes da História Oral (FHO)

9 - Fontes bibliográficas