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Estudos Teológicos 2006 > Vol. 46, Nº 01 > Editorial

Editorial


No último dia 26 de março, a Escola Superior de Teologia (EST) completou 60 anos de existência. Fundada sob o nome de Escola de Teologia em 1946, passando a ser denominada de Faculdade de Teologia (1958-1984), a atual EST é o berço desta revista teológica. Durante 45 anos, Estudos Teológicos, como órgão da EST, se tornou um importante canal de publicação da pesquisa realizada na instituição.

Neste número de Estudos Teológicos apresentamos especialmente artigos sob o tema da hermenêutica bíblica. Agradecemos à Profª. Drª. Marga Janete Ströher, do Departamento Bíblico da EST, pela sua colaboração no planejamento e nos encaminhamentos afins para a publicação deste número. Outrossim, o referido Departamento Bíblico dedica este volume ao Prof. Dr. Milton Schwantes pela passagem de seu sexagésimo ano de vida, ocorrido em 26 de abril último.

Em O estudo das línguas bíblicas: descartável ou essencial?, Marie Ann Wangen Krahn defende a importância do estudo das línguas bíblicas, hebraica e grega, visando a um labor teológico "mais profundo, mais consistente, mais autônomo e mais contextualizado". Argumentando sobre a importância do estudo do hebraico e grego, ela apresenta Lutero como defensor do estudo das respectivas línguas. A partir de Jeremias 1.11-12 e Números 12.6, a autora exemplifica a importância do estudo, neste caso do hebraico, mostrando sua contribuição para a compreensão dos textos.

Novos rumos na pesquisa bíblica é o que constata Júlio Paulo Tavares Zabatiero. Confrontando a Modernidade com a Pós-Modernidade, o autor destaca que nas últimas três décadas ocorreram transformações significativas no âmbito da pesquisa bíblica. Surgiram novos modelos de exegese como, por exemplo, a leitura popular e feminista da Bíblia. Ainda que permaneça devedora da exegese histórico-crítica, o atual "foco da exegese passa a recair sobre as múltiplas relações do processo de significação e não mais sobre o texto à luz da intenção e do referente", como ocorria na Modernidade.

A partir da lista de produtos agrícolas arrolados em Gênesis 43, Nancy Cardoso Pereira, em Do mais precioso desta terra: modelos de agricultura em trânsito e em conflito no Gênesis 43, aponta para uma "possível reconstrução sobre os modelos, trânsitos e conflitos da agricultura que aparecem na Bíblia Hebraica". Especificamente a partir da pistache, Nancy ensaia um rastreamento dos "tráfegos eco-geográficos e comerciais na antiguidade afro-oriental, tratando de situar a história bíblica nas confluências e afluências destas trocas materiais e seus simbolismos".

Em Jeremias diante do tribunal, Nelson Kilpp aponta para indícios de uma prática jurídica distinta existente na cidade de Jerusalém no período pré-exílico. A partir de um exercício de crítica literária sobre Jeremias 26 e da constatação dos acréscimos sofridos pelo texto, o autor conclui que o relato original indica que havia uma práxis jurídica em Jerusalém que contrastava da existente em aldeias, vilas e cidades interioranas de Judá. Enquanto nestas os anciãos eram os responsáveis pela jurisdição, em Jerusalém, funcionários da corte e o próprio rei exerciam o papel de juízes.

Lucia Weiler, em Rispá simplesmente Rispá, resgata a breve e em geral desconhecida história desta personagem bíblica que se encontra em 2 Samuel. Num contexto de ambição pelo poder e marcado pela violência, Rispá provocou o arrependimento do rei Davi. A partir desta personagem, Weiler ensaia uma releitura de Rispá para a atualidade, bem como as implicações para a espiritualidade.

Elaine G. Neuenfeldt, em Práticas e experiências religiosas de mulheres no Antigo Testamento _ considerações metodológicas, alavanca considerações metodológicas para investigar o tema em perspectiva veterotestamentária. A autora caracteriza as práticas religiosas e os papéis reservados às mulheres no contexto israelita. De outro lado, constata que os grupos religiosos populares (mulheres, pobres e heterodoxos) não tiveram suas vozes expressas na redação do texto bíblico, refletindo que o processo da escrita procurou centralizar e uniformizar o culto em Israel.

Em Movidos pela inveja: os adversários de Jesus e suas motivações em Mc 2.1-3.6, Irineu J. Rabuske resgata o papel e a motivação dos adversários de Jesus. O autor procura mostrar que o sentimento da inveja perpassa as cinco controvérsias relatadas na perícope: a cura do paralítico, a confraternização de Jesus com os pecadores, a questão do jejum, a colheita das espigas no dia do sábado pelos discípulos de Jesus e a cura do homem da mão atrofiada.

Marga J. Ströher, na abordagem do tema É preciso que haja pão! Ecologias de partilha e cuidado com as sobras _ Um estudo a partir de João 6.1-15, ensaia uma hermenêutica do referido texto em perspectiva ecológica. Após refletir texto e contexto, focar a centralidade do alimento, a autora concentra a atenção, em perspectiva ecológica, no ato do recolhimento dos pedaços de pão que sobraram. Ressaltando o conceito ecológico como "relações da casa" (casa enquanto mundo habitado), aponta para as implicações éticas do recolhimento das sobras, evitando o desperdício, o qual acarreta fome e desequilíbrio do ecossistema.

As ciências da religião numa perspectiva intercultural: a percepção oposta da fenomenologia da religião no Brasil e na Alemanha é a proposta de Hermann Brandt. O autor propõe uma comparação da compreensão da fenomenologia da religião no Brasil e na Alemanha. Neste intuito, avalia inicialmente a fenomenologia da religião no contexto das ciências da religião na Alemanha, onde se podem perceber questionamentos do papel da fenomenologia da religião ou até uma tendência de lhe dar "adeus". Diferentemente do Brasil e da América Latina, em que geralmente a fenomenologia da religião é concebida mais positivamente. A partir destas comparações e constatações, Brandt aponta para perspectivas tanto no que se refere às diferenças quanto aos aspectos comuns da fenomenologia em ambos os continentes.

Rudolf von Sinner apresenta uma reflexão ecumênica em Leonardo Boff _ um católico protestante. O autor analisa Boff como um "católico protestante", por "ser um teólogo com uma visão muito abrangente", e "católico", pela sua visão em "sentido mais amplo possível, verdadeiramente cósmica". A partir desta caracterização, von Sinner propõe uma análise dialogal e ecumênica em torno do pensamento eclesiológico, cosmológico, trinitário e doxológico de Boff.

Ao final, ainda apresentamos uma recensão do livro de C. S. Lewis, intitulado A abolição do homem, escrita por Carlos R. Caldas Filho.

Aos leitores e às leitoras desejamos que os artigos deste número de Estudos Teológicos contribuam na reflexão teológica, particularmente no estudo das Sagradas Escrituras, e desafiem à vivência da paz cristã.

Wilhelm Wachholz
Editor